Marcela Castro Rincon, 17 anos, é aluna secundarista em Belo Horizonte (MG) que enviou este texto exclusivamente para a ANPEd sobre o que é ser uma estudante em meio a uma pandemia.
CRÉDITOS ANPEd
Todo dia uma pessoa
diferente me faz essa pergunta, e a resposta é sempre a mesma: é difícil, eu
não consigo prestar atenção em nenhuma aula, tenho crises de ansiedade, choro
muito, e a minha saúde mental não está boa. O cenário atual, do ano de 2020, está
um caos. De janeiro a agosto houve um conflito intenso entre Estados Unidos e
Irã, o qual poderia culminar em uma Terceira Guerra Mundial, queimadas na
Austrália e na Amazônia, movimento Black Lives Matter (após a morte de George
Floyd nos EUA), nuvem de gafanhotos na Argentina, explosão no Líbano e, o
principal de tudo, a pandemia da Covid-19.
Como podemos perceber, esse ano parece um completo
filme de terror em um contexto apocalíptico, mas onde os estudantes, os jovens,
entram nessa história? Bom, para explicar isso, temos que entender a pandemia
do Novo Coronavírus.
O vírus que tem mudado completamente a dinâmica
mundial é originado da China, onde há indícios de que os primeiros casos tenham
se manifestado em novembro de 2019. Em janeiro de 2020 o país registrou 200
mortes e 100 mil infectados. Parecia tão distante, poderíamos até pensar que
demoraria bastante para chegar ao Brasil ou que, até mesmo, não chegaria. Mas
deveríamos ter na cabeça que, com um mundo tão globalizado, do mesmo jeito que
conseguimos mandar mensagens e fazer ligações para outros lugares do mundo em
questão de minutos, o SarsCoV-2 pode se propagar com grande facilidade, e isso
realmente se provou pois, em fevereiro, ele chegou ao nosso país.
Em fevereiro e março de 2020, estávamos completamente
abismados e chocados com o número de casos e mortes que se tinham, por dia, na
Itália, a qual se tornou, por um tempo, o novo epicentro do Coronavírus; mal
sabíamos nós que ultrapassaríamos gravemente tais números. E por que
conseguimos superar os números daquele epicentro? Você me pergunta... A
resposta é simples, um governo extremamente irresponsável que considerou uma
emergência global, uma pandemia, um vírus desconhecido, apenas uma
“gripezinha”! Frases como “o vírus trouxe histeria”, “eu não sou coveiro”,
“todos nós iremos morrer um dia”, “e daí? Quer que eu faça o quê?”; estão
marcadas na história do governo brasileiro.
Mas onde entra o estudante nessa história? Esse é o
meu foco principal. Então, vamos começar!
Saúde mental
No dia 18 de Março de 2020 os colégios da minha
cidade, Belo Horizonte, declararam um afastamento de 7 dias, que se tornaram 15
dias, e que, por fim, se tornou indeterminado. Durante um mês eu e meus amigos
estávamos desamparados. Não sabíamos se devíamos voltar a estudar, nem por onde
começar a estudar, e a única pergunta que ficava na nossa cabeça era: “será que
a gente vai ter aula online? Outros colégios já estão tendo”.
Eu consegui estudar e adiantar bastante
matéria nesse um mês “desamparada” porque eu tenho material de apoio, eu
tenho livros, cadernos e internet para pesquisar, mas é aqueles que não têm?
Aqueles que não têm livros, cadernos e muito menos internet para acompanhar
aulas remotas? Como fica essa deficiência no aprendizado?
Passado o mês “desamparados”, conversando com uma
professora recebi a seguinte informação: “teremos sim aulas virtuais, estamos
preparando o ambiente e nos preparando também, fazendo cursos, pois é um
cenário muito novo”. Ao mesmo tempo em que senti alívio por finalmente voltar a
ter a explicação dos meus professores, senti uma tristeza pelos meus amigos de
escolas públicas, que não tinham nem 1% de noção do que aconteceria, de como
seriam as aulas, e nem mesmo se as teriam.
Nos primeiros meses eu estava conseguindo acompanhar
as aulas, as atividades, acordava cedo para já preparar todo o ambiente de
estudo, conseguia prestar atenção e entender a matéria, e eu confesso que parte
desse alívio que estava sentindo, parte dessa motivação, estava vinculada ao
fato de não estar tendo avaliações para nos pôr em teste mais uma vez. Vocês me
perguntam então: “Ah, mas nessa época tava tudo certo? Ansiedade controlada?
Saúde mental em dia?”, e a resposta é... Não. Mesmo estando calma com as coisas
da escola, a dúvida de “o que está acontecendo com o mundo?”, “será que vai
melhorar?”, “Será que meus avós estão bem?”, “E se eu pegar... E se... E
se...” continuava batendo na minha cabeça e me atormentando todos os dias.
Após um tempo tendo aulas remotas, recebo a notícia de
que voltaríamos a ter atividades avaliativas e simulados para, mais uma
vez, nos pôr em teste, pois no sistema de ensino brasileiro, a nota define quem
o aluno é, e a inteligência dele. A ansiedade bateu mais uma vez, as crises de
choro pioraram, pois tudo que eu não precisava, naquele momento, era me
preocupar com nota, com passar de ano, mais do que eu já estava preocupada com
o mundo, com minha saúde, com meus avós, meus pais e minha irmã. Aceitei, pois
não havia nada que eu pudesse fazer, eu precisava da nota. Estudar na quarentena,
se manter focada para entender uma matéria já é difícil, estudar para realizar
uma atividade avaliativa piorava a situação.
Passou-se um tempo, já não conseguia mais prestar
atenção nas aulas, já não conseguia levantar cedo para arrumar o meu “cantinho
de estudo”, apenas conseguia fazer as atividades para entregar porque elas
estavam ligadas às notas. E como eu disse a vida do estudante gira em torno da
nota, já que, pelo visto, é ela quem o define.
Com a saúde mental já prejudicada pelas aulas virtuais,
pela falta de contato com os amigos, pela preocupação do “será que vai dar tudo
certo?”, recebo mais uma novidade... Os números de aulas irão aumentar, e com
elas aumentariam também minhas crises de ansiedade, minhas dores de cabeça por
ficar o tempo inteiro sentada em frente à tela do computador. Eu como estudante
do Terceiro Ano do Ensino Médio em 2020, posso afirmar que o meu aprendizado,
esse ano, foi em vão... Eu consigo sim entender algumas matérias, eu consigo
entender graças aos professores que eu tenho que fazem slides maravilhosos e
perguntam a todo o momento se está tudo bem. Mas essa pergunta, “está tudo
bem”, está vinculada à matéria? Ou ao nosso psicológico?
Deve ser pontuado, ainda, que o sucesso do futuro de
um aluno está atrelado a sua nota no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) o
qual garante o ingresso em faculdades públicas e dá “oportunidade” para
indivíuos marginalizados pela sociedade. São várias pessoas sentadas em uma
sala fechada, respirando umas perto das outras, tossindo, espirrando; logo,
como seria possível fazer o ENEM, o qual geralmente ocorre em novembro, com um
vírus de alta capacidade de propagação? Não é possível, e foi por isso que,
depois de muita resistência dos jovens brasileiros, ele foi adiado. Para quando?
Você me pergunta. Então vamos começar.
O ENEM
Apesar de sermos adolescentes, temos voz, merecemos
ser escutados e principalmente respeitados. Assim, após conseguirmos o
adiamento da prova do ENEM, foi-nos informado que haveria uma votação aberta a
todos aqueles que realizaram suas inscrições, para definir a nova data do
exame. Havia três novas datas previstas para a realização da prova: início
de dezembro de 2020, final de janeiro de 2021, ou início de maio de 2021. Todos
nós ficamos assustados, pois as opções eram muito perto do cenário atual,
no qual a curva de casos e mortes devido ao vírus só aumentava, e o aprendizado
dos indivíduos de escola pública era prejudicado, ou muito longe. Estávamos
esperando que houvesse uma opção: março, abril.
Ocorreu a votação, e como já era de se esperar, já
que, além da maioria dos inscritos no ENEM não estarem tendo acesso às aulas
virtuais e os que estavam tendo, tinham o senso e a noção de que não seria uma
concorrência justa, pois haveria um abismo no aprendizado; mais de 50% dos
estudantes votaram em maio. Tal resultado nos tranquilizou, pois, quando ele
saiu, faltava, praticamente, um ano para a prova, no qual poderia ser
regularizado a questão do aprendizado nas instituições públicas.
Mas como sabemos, o sistema educacional brasileiro não
faz sentido algum. Após a saída do resultado da votação, os responsáveis se
reuniram para “discutir a nova data”, a qual foi 100% ignorada, uma vez que se
foi decido, após essa reunião, que o ENEM seria realizado em janeiro de 2021.
Quando divulgado o resultado, houve uma imensa confusão na cabeça dos
participantes, pois foi ignorada a opinião da maioria, dando uma sensação de
“falsa democracia”.
Apesar de termos voz, não conseguimos mudar a nova
data e essa foi concretizada: o ENEM será realizado nos dias 17 e 24 de janeiro
e será obrigatório o uso de máscara desde a entrada até a saída dos estudantes.
Oi? Em uma prova com duração de 5 horas, deveremos ficar com máscaras? É dessa
maneira que eles acham que nos deixam seguros? “Ufa, ainda bem, agora que foi
decretado que tem que ficar todo mundo de máscara durante 5 horas de prova eu
me sinto MUITO mais segura!”. Era essa a reação que eles esperavam? Caso vocês
não saibam o uso prolongado de máscara, de acordo com especialistas, deve ser
evitado, pois após a exposição ao vírus perde a sua eficácia. Como temos a
certeza de que todos os vestibulandos estão sem o vírus? Porque se não há
testes suficientes para o sistema de saúde brasileiro, eu duvido que haverá
testagem antes da prova.
O sistema de ensino brasileiro
Lembrei-me outro dia da frase da minha professora em
abril: “teremos sim aulas virtuais, estamos preparando o ambiente e nos
preparando também, fazendo cursos, pois é um cenário muito novo”, e tudo que eu
conseguia pensar era que realmente é um contexto novo, no qual todos nós,
principalmente os professores, estávamos despreparados, o contexto virtual.
E, refletindo sobre isso, percebi como a adaptação às
aulas remotas estaria sendo muito mais fácil e menos prejudicial, a alunos
e professores, se o sistema de educação brasileiro não fosse arcaico e
tradicional. Estamos no século 21, no ano de 2020, e eu, com 18 anos, no
terceiro ano do ensino médio, ainda aprendo do mesmo jeito que minha bisavó
aprendia: sentada nas carteiras com o professor passando matéria no quadro,
explicando-a, passando atividades de fixação, provas. Não seria prático nos
adaptarmos ao cenário virtual, se ele fosse obrigatoriamente estimulado nas
escolas?
Vivemos em um mundo globalizado, no qual drones já
estão substituindo entregadores e trazendo nossa encomenda, nosso pedido. Por
que continuar com uma educação tradicional se o futuro não é mais do mesmo
jeito?
Se temos uma tecnologia avançada, porque não aplicá-la
de maneira positiva nas escolas? Se o futuro não é mais o mesmo, se o ingresso
em uma faculdade não representa mais o sucesso de um aluno, se não existe mais
uma profissão superior à outra; por que devemos aprender do mesmo jeito que o
sistema foi montado? Por que não inovar? Por que não estimular o uso da
tecnologia, já que ela vai marcar mais presença gradativamente?
Finalização
O ano de 2020 está sendo uma bagunça, e o sistema
tradicional, monótono e arcaico de ensino brasileiro, não ajuda na superação
desse cenário. Apesar de não estarmos sentados em frente ao quadro, estamos
sentados em frente ao computador por muito tempo, prejudicando nossas dores de
cabeça, nossa visão, nossa ansiedade, nossas crises de choro e, até mesmo de
pânico, e, principalmente, prejudicando nossa saúde mental. Se estamos
respeitando a quarentena, o isolamento social, para cuidarmos e protegermos
nossa saúde física, não deveríamos estar fazendo o mesmo com nossa saúde
mental?
O sistema é falho! Além de não se preocupar com a
sanidade dos estudantes, mostra ignorância com aqueles que não estão tendo
acesso a materiais de apoio, às aulas remotas. Pois a partir do momento em que
o exame que define o futuro de todos os vestibulandos (ENEM) foi realocado
para uma data muito próxima ao contexto de caos que estamos vivendo, podemos
afirmar que há, sim, um descaso com essa grande parcela dos estudantes.
Ao manter essa data, estamos abrindo não apenas um
meio de contaminação, devido à gigantesca aglomeração que se tem na realização
do teste; e estamos, menos ainda, “abrindo as portas” das Universidades...
Estamos abrindo um abismo gigantesco entre a elite e a parcela marginalizada,
entre a riqueza e a pobreza... Estamos ignorando completamente os indivíduos
inferiorizados pela sociedade e, por consequência, prejudicando o ingresso
deles a uma faculdade. Arrancamos essa oportunidade deles. O ensino, que antes
dessa pandemia já era desigual, agora está completamente desnivelado. E a
culpa? É do vírus? Não. É da falta de sensibilidade e responsabilidade do
Governo Brasileiro, pois essa problemática que vocês chamam de “mimimi” é a dor
de outros, não a sua.
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